
Saúde sem barreiras
“Insegurança, desentendimentos e erros de interpretação acerca de sintomas e orientações médicas”, de acordo com Gláucio Castro, professor surdo do Magistério Superior do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP), do Instituto de Letras (IL) da Universidade de Brasília (UnB), essas são algumas das consequências enfrentadas por pessoas portadoras de deficiência auditiva que buscam atendimentos médico no Brasil.
Para Castro, lidar com barreiras é rotina: “Enfrento dificuldades em atendimentos na área da saúde pela barreira linguística. A falta de profissionais que se comunicam em Libras prejudica o diálogo. Essa condição não é apenas minha, muitos surdos passam por isso”.
Com objetivo de transformar esse cenário, foi criado, em 2018, o projeto Libras: Comunicação e Inclusão, desenvolvido na Faculdade de Ciências e Tecnologias em Saúde (FCTS), no Campus UnB Ceilândia. A iniciativa busca capacitar estudantes da área da saúde a fim de que estejam preparados, ao entrarem no mercado de trabalho, para atenderem pacientes surdos com respeito, empatia e eficácia.
A ideia é mantida com apoio do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (Pibex) da UnB. Iniciativa teve origem entre discentes da FCTS, relatou Isabella Silva, coordenadora do projeto e do curso de fonoaudiologia na instituição. “Decidi apoiar os alunos, vi que a ideia era relevante por conta do contato com a comunidade surda, para futura atuação profissional mais humanizada, ao levar em conta as individualidades das pessoas que procuram serviços de saúde”, pontuou.
Ação reúne professores, estudantes e membros da comunidade externa com objetivo de transmitir conhecimento em Libras, conscientizar alunos do curso a respeito da cultura surda e promover acesso à informação em ambientes de saúde, área central dos cursos oferecidos pela FCTS. A cada semestre, são abertas vagas, sem limite, por meio de processo público, com prioridade para estudantes da universidade, entretanto, também são aceitos membros externos. Projeto costuma receber mais de cem inscrições por edital. Entretanto, de acordo com Silva, pouco mais da metade dos inscritos permanecem.
Espaço e reuniões
Entre as atividades de maior destaque no programa estão aulas quinzenais de vocabulário básico em Libras, com foco em termos relacionados à saúde. As lições são conduzidas por professores voluntários e estudantes children of deaf adults (Coda) — expressão em inglês para: filhos de adultos surdos —, que, embora não sejam necessariamente deficientes auditivos, compartilham sinais e cultura surda.
“Entrei no projeto porque meus pais são surdos. Quando comecei a faculdade, descobri o programa e fui incentivada por uma amiga fonoaudióloga que participou”, contou Geovana Meireles, aluna do sexto semestre de fonoaudiologia.
Aulas e atividades do projeto acontecem no auditório da Unidade de Ensino e Docência (UED), na FCTS, espaço com capacidade para 90 pessoas. Equipado com projetores e aparelhos de televisão, o ambiente é ideal para apresentações e encontros pedagógicos.
Relato de participantes
“Nunca tinha visto nenhum projeto de Libras na faculdade. Achei diferente e importante. Todo profissional de saúde deveria saber ao menos o básico para acolher pacientes surdos”, revelou Bianca Alves, estudante do terceiro semestre de farmácia. Segundo Alves, a comunicação se estabelece como ferramenta essencial para garantir atendimento adequado e inclusivo.
“Entrei com o intuito de conseguir me comunicar com pessoas surdas e oferecer atendimento de qualidade. Quero entender o que cada paciente enfrenta para que possa atendê-lo da melhor maneira.” Essa visão a respeito do cuidado empático é reforçada por Maiara Batista, aluna do quarto semestre de fonoaudiologia, que ingressou no programa a fim de aprimorar habilidades de interação.
“Sempre fui apaixonada por Libras. No começo, participei como aluna ouvinte, depois ingressei na extensão para aprender mais e também compartilhar o que sabia”, disse Júlia Carvalho, estudante do quarto semestre de terapia ocupacional e extensionista do projeto.
Surdez em perspectiva
De acordo com o censo de 2022 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de dez milhões de brasileiros possuem algum grau de deficiência auditiva e cerca de 2,7 milhões têm surdez profunda, ou seja, não escutam nada. A falta de acessibilidade comunicacional, isto é, ausência de recursos e tecnologias que garantam o entendimento e a troca de informações entre pessoas com e sem deficiência aliada ao capacitismo — discriminação que reduz o valor de pessoas com deficiência — as exclui do envolvimento pleno na sociedade por considerá-las menos capazes.
Acesse
Libras: Comunicação e Inclusão mantém conta ativa no Instagram, @projetolibrasfce, na qual divulga datas de encontros, editais, registros das atividades e informações complementares. A página funciona como canal direto de comunicação com a comunidade, além de facilitar acesso a informações e participação do público interessado.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) tem origens influenciadas pela Língua de Sinais Francesa (LSF). No século 19, o professor surdo Ernest Huet veio ao Brasil a convite de Dom Pedro 2º e trouxe conhecimentos da LSF. Huet teve papel fundamental no estabelecimento do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), inaugurado em 1857, no Rio de Janeiro — primeira escola dedicada à formação de pessoas surdas no país.
A partir desse contato, a LSF foi integrada aos sinais utilizados por surdos brasileiros. Com o tempo, comunidades com deficiência auditiva no Brasil adaptaram os gestos e criaram novos, o que resultou na formação de um sistema linguístico próprio, distinto e autônomo em relação à LSF.
Como qualquer outra língua, Libras passou por processo natural de mudanças, incorporou variações regionais e ampliou vocabulário. O reconhecimento jurídico ocorreu com a promulgação da Lei nº 10.436, em 24 de abril de 2002, que estabeleceu a Língua Brasileira de Sinais como meio oficial de comunicação no território nacional. Em dezembro de 2005, o Decreto nº 5.626 regulamentou a legislação e definiu diretrizes para o ensino de Libras, a formação de profissionais qualificados e a garantia do direito à educação bilíngue — com Libras como primeira língua e o português como segunda — para pessoas surdas no Brasil.
Parys Muniz, 17
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