Jeito brasiliense de falar

O sotaque de quem nasceu no Distrito Federal (DF) carece de definição. Para entender particularidades dessa pronúncia, estudo conduzido no Departamento de Linguística da Universidade de Brasília (UnB) utiliza gravações de 30 voluntários, examina características acústicas e projeta conclusões fonéticas ainda este ano.

Observação de que brasilienses são reconhecidos pela fala em outros estados motivou, em 2024, pesquisa proposta pelo professor Ronaldo Mangueira, do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP) da UnB. Sem financiamento externo, alunos de graduação em letras participam do trabalho por meio do Programa de Iniciação Científica (ProIC/UnB).

Processo da pesquisa

A primeira etapa consistiu em gravar falas de 30 brasilienses de segunda geração, ou seja, que residem desde o nascimento no DF, filhos de pais em condições idênticas. Para avaliar sotaque com a menor quantidade de interferências possível, restrições de audição ou de fala, bem como tratamento fonoaudiológico, impediam a participação na pesquisa.

As gravações foram feitas no Laboratório de Fonética e Fonologia da UnB, dentro de cabines acústicas, que vedam entrada e saída de sons. Em isolamento, voluntários simulavam entrevista de 20 minutos, em que precisavam ler textos em voz alta e comentar vídeo selecionado. Além disso, questionário socioeconômico com perguntas como idade, regiões administrativas onde morou, grau de escolaridade e renda foi parte relevante do estudo, pois esses fatores exercem influência no sotaque.

Em março deste ano, os pesquisadores vão examinar a acústica das gravações por meio do software Praat, desenvolvido pelos linguistas David Weenink e Paul Boersma, do Departamento de Fonética da Universidade de Amsterdã. A ferramenta permite análise sonora, por meio de parâmetros como frequência, comprimento de onda e decibéis.

O programa possibilita aos usuários explorar ondas sonoras de diferentes modos: mediante gráficos que permitem visualização das ondas e amplitudes dos sons, análise de frequências e picos da frequência, importantes para avaliar vogais, altura da voz e duração das pronúncias. Como o Praat se concentra em aspectos acústicos da fala, pode ser usado para qualquer idioma.
Nessa fase do estudo, áudios serão recortados e dispostos em categorias de acordo com tipo de produção sonora. Em seguida, cada som será observado pelo tempo que dura, intensidade e frequência com a qual é pronunciado. Os resultados do estudo acústico e as respostas do questionário social serão utilizados para levantar hipóteses e estabelecer conclusões para a pesquisa. Por fim, a terceira etapa consiste em preparar os resultados para divulgação científica, que deve ocorrer no Congresso de Iniciação Científica da UnB de 2025.

A pesquisa faz parte de um projeto guarda-chuva (que se divide em subprojetos) para mapear todas as variações fonético-fonológicas de brasilienses de segunda geração, ou seja, todos os tipos de pronúncias de sons. Assim, o estudo completo deve se estender por cerca de quatro anos. Nesta fase inicial, o objetivo é estudar os primeiros tipos de produções sonoras, as do R e do S, sons mais perceptíveis em sotaques por apresentarem maiores diferenças entre estados.

Relatos de participantes

“Nunca gostei de ver pessoas falarem que o sotaque de Brasília é neutro ou não existe. Todo mundo tem sotaque. Por isso, acho importante fazer o mapeamento completo da pronúncia brasiliense para investigarmos se há algum som específico que a população do DF produz que a diferencia de outras”, ressaltou o aluno do quarto semestre de Letras–Inglês da UnB Davi José Moreira, pesquisador no estudo.

Brasiliense de 18 anos e voluntária no projeto, Gabrielle Oliveira soube do estudo por conversa com ex-aluna de letras da UnB: “Achei a experiência bem tranquila e divertida. Fui colocada na cabine acústica e tive minha voz gravada enquanto respondia perguntas, lia frases e palavras no monitor. Em Brasília existe muita história e cultura. Identificar nosso sotaque ajuda a descobrir o que difere brasilienses do resto dos brasileiros”.

Opiniões a respeito do sotaque brasiliense

Gaúcha de 18 anos, Nathalia Alegre acha relevante esse estudo pela possibilidade de identificar singularidade de pronúncia que parece reunir influências de diferentes lugares. “Quando visitei Brasília, notei grande diferença no sotaque. Às vezes eu e minha família tínhamos um pouco de dificuldade de entender. O que mais soou diferente para mim foi o R, que é mais fraco”, disse.

“Acho bacana entender as características das falas porque traz pertencimento. Acho que brasiliense é um povo sem identidade em relação a isso, pois não sabemos definir o sotaque. Então o estudo é interessante para trazer identidade e pertencimento às pessoas”, opinou Loide Medeiros, brasiliense de 43 anos, filha de mãe nascida em Brasília e pai mineiro.

Filha de piauienses, Lúcia Maria rememora estágios do sotaque brasiliense: “A pesquisa é interessante para entender as diferenças. Dentro de casa, com família piauiense, nunca notei muita diferença nos sotaques, sempre falamos parecido. Mas o sotaque das pessoas com as quais eu convivia em Brasília me soava diferente, até porque, quando era mais nova, a maior parte das pessoas vinha de fora, não tinham nascido na capital”, afirmou a brasiliense de 63 anos.

Nascido em Minas Gerais, Ernesto Oliveira afirmou ser complicado definir sotaque típico de Brasília. “Acho difícil definir um sotaque para brasilienses pois depende da convivência de cada pessoa. Encontramos muitas famílias descendentes de outros estados brasileiros, então a influência de fora ainda é muito grande”, comentou morador do DF desde os 14 anos.

Análise

É fundamental que uma população se identifique com o lugar do qual veio e valorize essa origem. Com objetivo de buscar identidade do sotaque brasiliense, a pesquisa contribui para noção de pertencimento entre pessoas que nasceram no Distrito Federal, lugar recente em comparação com estados brasileiros.

O trabalho é longo pela tarefa de fazer gravações, dividir e analisar áudios para então chegar a conclusões. Além disso, Brasília é cidade nova. Com 64 anos, fica atrás apenas de Palmas entre o tempo de existência das capitais. O sotaque local é fruto da influência de outros. Esses pontos fazem a pesquisa ser necessária e relevante, pois ajudará na construção identitária brasiliense.

Nicole Bartieli, 19
Jornalismo
Pular para o conteúdo