
Sonho carioca
No que me parece outra vida, morava sozinha no Rio de Janeiro. Típica estudante de medicina: não tinha tempo livre e gostava de sair à rua de jaleco. No entanto, certo domingo de sol escaldante, me desfiz do personagem e fui à Praia Vermelha de biquíni. Deitada na areia, em frente ao Pão de Açúcar, ouvi a mais tentadora proposta daquela tarde para alguém que, como eu, não recusa convites à autodestruição: “Promoção de caipirinha: compre uma, leve duas”. Alguns minutos depois, vendedor de balas incomum me abordou e, com ajuda do álcool, me viu mais carismática do que nunca.
Conversamos em quatro idiomas diferentes. Ele, camaleão linguístico; eu, papagaio repetindo frases. Era Samuel, ambulante poliglota e autodidata da Praia Vermelha, jovem de 23 anos que sonhava em ser psicólogo. Mas a vida o obrigou a trabalhar desde cedo para ajudar a família. Samuel me contou que morou no Chile, mas teve que voltar para a Vila Isabel por questões financeiras. Ao sugerir cursinhos gratuitos que existem no Rio, tentei mostrar a ele que ainda havia luz no fim do túnel.
No entanto, ele parecia convencido de que nascera do lado errado do Túnel Rebouças, em lugar onde oportunidades eram escassas e estudo, privilégio das elites. Samuel assegurou ser homem de bem e me agradeceu pela confiança. Sorri e concordei, mas omiti que a única razão pela qual não o evitei foi a coragem líquida que fazia efeito naquele momento. Samuel disse que tinha que voltar ao trabalho, desejei-lhe boa sorte e passei meu Instagram para caso precisasse de ajuda com qualquer coisa relacionada aos estudos.
Desde então, penso nele antes de dormir. Imagino como seria a vida de Samuel se viesse ao mundo em outras circunstâncias. E, por falar em circunstâncias, não posso deixar de me perguntar: será que a promoção de caipirinhas acontece às segundas também? Ou será que é privilégio dos domingos?
Ana Cavalcante, 19 Jornalismo
