
Pequenos doutores: como combater fobia hospitalar infantil
Sentir medo, ansiedade e pânico ao entrar em consultório é indicativo da síndrome do jaleco branco — iatrofobia. Para combater esse desconforto em crianças, estudantes de medicina da Universidade de Brasília (UnB) criaram, em 2014, o Hospital do Ursinho. O projeto estimula sensações positivas em relação a cuidados médicos por meio de atividades lúdicas.
Bichos de pelúcia se tornam pacientes e pequenos doutores são livres para inventar queixas, sugerir exames e fazer operações cirúrgicas. Transformados em brincadeira, jaleco, seringas, estetoscópios e outros equipamentos médicos responsáveis por fobia adquirem novo significado aos poucos. Voluntários também aproveitam projeto para falar a respeito de higiene pessoal, importância da vacinação e partes do corpo humano com as crianças.
“O projeto existia fora do Brasil, mas um dos alunos o conheceu por uma colega que foi a Portugal, achou muito interessante e trouxe a ideia para nós da Liga Acadêmica de Hematologia”, disse a professora da Faculdade de Medicina da UnB Silvana Fahel.
Pediatra, com especialização em hematologia infantil, Fahel foi coordenadora e uma das responsáveis por implementar o projeto de extensão Hospital do Ursinho em Brasília. Formada na Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela chegou à UnB em 2006 como professora adjunta após ter feito residência, mestrado e doutorado em São Paulo.

Como tudo começou
Em 2012, três alunos da UnB fundaram a Liga Acadêmica de Hematologia (LAHem). Ligas Acadêmicas trabalham pilares de ensino, pesquisa e extensão e colaboram para desenvolvimento extracurricular, pois ampliam contato com diferentes especialidades médicas.
“Uma das integrantes da liga fez estágio em Portugal, onde existia projeto como o Hospital do Ursinho, e trouxe a ideia. Começamos a pesquisar projetos semelhantes ao redor do mundo como inspiração e decidimos fazer o Hospital do Ursinho como parte de atividade de extensão da LAHem”, explicou Vinícius Burnett — médico hematologista, ex-voluntário do Hospital do Ursinho e um dos fundadores da LAHem.
Outra referência para o projeto de extensão da UnB foi a iniciativa Teddy Bear Hospital (TBH), organizada pela Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina (em inglês, International Federation of Medical Students’ Associations — IFMSA), presente em universidades mundo afora. Estudantes voluntários atuam no TBH para reduzir iatrofobia — percepção negativa do ambiente hospitalar —, aprimorar habilidades de comunicação e desenvolver trabalho junto à comunidade.
No início, projeto da Liga Acadêmica de Hematologia, com apoio da UnB, era realizado em escolas públicas e no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Hoje, atividades são realizadas no Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) — localizado no Setor de Áreas Isoladas Norte (SAIN), Asa Norte — e o trabalho também foi inserido em algumas escolas públicas do Paranoá, região administrativa do Distrito Federal (DF).
“Alunos voluntários tomaram iniciativa de entrar em contato com a direção do Hospital da Criança para apresentar o projeto. Houve boa aceitação e ele permanece lá até hoje. Eu também ajudei, mas o principal ato foi dos estudantes”, disse Karina Nascimento, médica pediatra. Ela explica que, após pandemia da Covid-19, projeto paralisou atividades nas escolas devido a problemas em conseguir autorização.
Como funciona
Na área de espera do hospital, é montado cenário com aparelhos examinadores feitos de papelão e cartolinas, objetos médicos, fichas, entre outros. O Hospital do Ursinho é dividido em cinco estações: acolhimento, consultório, sala de procedimentos, centro cirúrgico e avaliação. Antes e depois do processo, crianças classificam emoções dos pacientes de pelúcia, passo importante para entender, de forma indireta, os sentimentos delas.
A primeira estação é de acolhimento. Voluntários recebem crianças, juntos escolhem o ursinho, identificam o paciente em ficha médica, e vestem jaleco, porque serão doutores. Depois elas passam à etapa consultório, na qual são simulados anamnese, entrevista detalhada que profissionais de saúde fazem para obter informações do estado do paciente, e exame físico com instrumentos da prática médica.
A terceira estação, sala de procedimentos, é onde acontecem exames necessários para checar a situação do ursinho, como radiografias. Após resultados, é hora de a criança brincar com luvas, ataduras, touca e óculos de proteção, como se fosse cirurgião. Por fim, é preciso registrar sentimentos e aprendizados.
Segundo Júlia Soares, voluntária no projeto, as avaliações das crianças antes e depois da dinâmica são fundamentais para acompanhar a evolução do tratamento. Soares afirmou ser notório o efeito da prática no comportamento infantil quando a atividade termina: “A maioria delas trocam adjetivos como triste e assustado, por feliz”.

Impactos do projeto
“O Hospital do Ursinho é enriquecedor de várias maneiras. Ele permite que a gente tenha esse contato com crianças logo no início do curso, e faz com que a gente, dentre tantas maneiras teóricas, faça uma diferença prática na vida de outras pessoas. Creio que nossas habilidades sociais, principalmente ao tratar com crianças, são bem aprimoradas no projeto também”, disse Alana Bernardes, estudante de medicina da UnB e voluntária.
Diversas crianças foram alcançadas pelo Hospital do Ursinho e a coordenação do projeto pretende ampliar o número de pessoas atendidas. Hoje, cerca de 20 crianças, entre quatro e oito anos, participam das ações, realizadas uma vez por semana de acordo com o calendário acadêmico da universidade.
O processo seletivo para novos voluntários depende do número de vagas disponíveis e pode ocorrer por semestre ou por ano, exclusivo para estudantes de medicina da UnB. Mas, aqueles que querem ajudar o projeto podem fazer doações de materiais como luvas, esparadrapos, gazes, máscaras, entre outros. Para contato e mais informações, entre no Instagram @hospitaldoursinhobsb.
Natália Hozana, 18
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