Sob a superfície

Durante anos, a história da Biblioteca Central da Universidade de Brasília (BCE/UnB) ter sido construída sobre manancial foi tratada como lenda urbana. No entanto, o fato é verídico e não apenas influencia a infraestrutura como traz desafios significativos para o funcionamento do prédio.

​Construída em cima de nascente e incompatível com ambientes úmidos, a BCE foi inaugurada em 1962.  O que poderia ser problema não recebeu devida atenção e, por consequência, resultou em frequentes inundações. Negligência e desinteresse foram notáveis a ponto dessa mina d’água sequer ter sido nomeada. Enquanto na atualidade esse assunto é pouco conhecido entre alunos, anos atrás, em especial entre aqueles mais antigos, conversas a respeito das constantes inundações reforçavam veracidade da história. 

​O administrador predial da BCE, Fernando Glaydson, confirmou: por muito tempo, o segundo subsolo da biblioteca sofreu com infiltrações severas e chegou a acumular até 1,20 metro de água em épocas de chuva intensa. “As três bombas de sucção que funcionavam 24 horas por dia nem sempre conseguiam conter a vazão”, explica Glaydson. O ano de 1962, junto ao início da construção da biblioteca, marcou o início dos problemas com a nascente. Havia tubulação com papel de drenar a água, mas que não resistia a tempestades intensas, tanto pela grande quantidade de água redirecionada para fora do subsolo da biblioteca, quanto pelo volume pluvial que juntava-se à mina. “Não caía água da chuva aqui dentro, mas a mina subia e não tinha como tirar”, complementa Glaydson.

​Os esforços iniciais eram insuficientes para conter a água, que causava infiltrações, mofo e problemas estruturais. A melhoria para o problema veio somente décadas depois, no final dos anos 2000, quando obras de drenagem foram realizadas de forma a canalizar a água da nascente para uma galeria pluvial despejada no Lago Paranoá.

​O segundo subsolo era utilizado para armazenamento de materiais de limpeza, livros ainda não-catalogados e mobílias danificadas. Além disso, constantes quedas de energia causadas pela água que subia e alcançava a altura das caixas de energia dificultavam o uso do sistema de informática, essencial para as operações da biblioteca. Havia um único funcionário encarregado da manutenção dessas bombas: um bombeiro hidráulico contratado pela prefeitura da Universidade, de modo a não oferecer custo adicional.

​Embora a água tenha sido controlada, o impacto das inundações ainda reflete nos dias atuais. Livros e materiais estocados no subsolo foram danificados pelo mofo e a área agora é usada para armazenar itens com menor circulação. “Foi há uns 15, 17 anos,” lembrou o administrador, referindo-se à reforma que enfim trouxe alívio à BCE. Essas obras incluíram a substituição das bombas por sistemas de encanamento mais eficientes, e hoje canaliza o fluxo aquático para fora do prédio.

​A história da nascente da BCE é um lembrete da importância de se considerar todos os aspectos geográficos ao planejar construções de grande porte. Hoje, a UnB continua a aprender com esse legado e busca garantir que a história não se repita. Com a situação controlada, o subsolo da biblioteca passou a ser utilizado de forma mais segura. A história de como a instituição lidou com inundações que persistiram por mais de duas décadas é modelo de adaptabilidade e inovação. 

Maitê Doreto,  18
Jornalismo
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