Jardim secreto

 

Nos fundos da prefeitura na Universidade de Brasília (UnB), longe da vista dos alunos, estudantes de agronomia desenvolvem projeto de extensão inovador com foco no manejo, preservação e estudo de abelhas brasileiras sem ferrão. Iniciado no primeiro semestre de 2024, o diferencial do Meliponário UnB é o estudo da importância de realizar a criação destes insetos. 

​Do grego melipona, em que meli significa mel e pónos, trabalho, meliponário refere-se ao conjunto de colmeias de meliponas, abelhas sem ferrão. São locais destinados à preservação e criação dessas espécies que, além de serem consideradas grandes polinizadoras da flora nativa, contribuem para equilíbrio dos biomas e manutenção do ecossistema.

​Outras instituições, como Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade de São Paulo (USP) desenvolvem projetos focados no estudo de abelhas nativas com intenção de observar importância da criação dessas espécies e melhor forma de realizá-la. “Apoiar projetos como esse e consumir o mel produzido por essas abelhas é excelente forma de incentivar a preservação”, comentou Luciano Liyu, aluno de Licenciatura em Letras–Japonês, voluntário na pesquisa. Liyu conheceu o meliponário através da semana universitária – evento anual do Decanato de Extensão (DEX) da UnB cujo objetivo é apresentar cursos e pesquisas da instituição ao público – e se interessou pela proposta.

Percevejo em flores do jardim de ervas da prefeitura.
Crédito: Helena Prestes

​Quem faz

Julio Pastore é professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV) há oito anos e se dedica a programas com objetivo de incrementar o campus Darcy Ribeiro. O docente é responsável por três projetos: Jardim Sequeiro, A Casa de Chás e Meliponário. O primeiro consiste em extensão que reúne alunos de múltiplos cursos focado na jardinagem da vegetação que enfeita o Instituto Central de Ciências (ICC). O segundo, corresponde à apresentação do jardim de flores ornamentais e de ervas medicinais para visitantes. Este ano, na Prefeitura da UnB (PRC), Giuseppe Cortizo e Gabriel Damasceno, alunos da FAV, e Pastore tiveram A Casa de Chás e o Meliponário aprovados como projeto de extensão.

​Como começou

No Programa de Educação Tutorial (PET) de agronomia, alunos desenvolviam proposta parecida. Criavam colmeias, em menor escala e com menos recursos do que dentro do Meliponário UnB. Pastore entrou em contato com esses estudantes no início do ano para inscrever iniciativa como projeto de extensão, que foi aprovado com bolsa no edital do primeiro semestre. Novas colônias foram capturadas e adicionadas à coleção, o que agregou valor paisagístico aos jardins do professor e do jardineiro Florisvaldo Pereira.

 As abelhas estão espalhadas pela PRC em pequenas caixas confeccionadas pelos estudantes. Além dos compartimentos que auxiliam na instalação das colmeias, também são distribuídos ninhos-isca embebidos com atrativos de própolis para estimular aproximação de mais enxames e novas espécies no local. Projeto também auxilia na reciclagem e utilização dos materiais de marcenaria, cadeiras e tábuas de madeira, inutilizados há mais de uma década.

Impacto

Variedade de abelhas está ligada à diversidade e sobrevivência de biomas. São importantes polinizadores da natureza, promovem maior pluralidade de flores, alimentos e beleza nos ecossistemas com passar dos anos. Preservar a vida destes animais é zelar pelo planeta. “Todo mundo pode e deve ter um meliponário dentro de casa, elas são seguras e não causam qualquer perigo. Isso é parte do que podemos fazer para preservar nosso planeta e salvar o resto de vegetação”, completou Damasceno, extensionista e trabalhador na área de meliponários desde 2022.

Gabriel Damaceno e amostra de abelhas da espécie Marmelada. Pela ausência de ferrão, equipamentos de biossegurança são dispensados. Crédito: Helena Prestes

Como se sustenta​

O projeto agora luta por ajuda de custos que coopere para o desenvolvimento. “Damos nosso jeito, construímos nossas próprias capturas. Pagamos algumas coisas do nosso bolso e vendemos caixinhas de criação”, disse Damasceno. Colmeias são caras e, quando não são atraídas para caixas de instalação, precisam ser compradas. Enxame de abelhas jataí custa cerca de 250 reais e colmeias de abelhas da espécie Marmelada valem em torno de 500 reais — vendidas por pequenos produtores de mel e criadores de abelhas. Assim, financiamento da universidade garantiria continuidade do projeto pelos próximos anos. Com crescimento dessa proposta, outros cursos e programas de extensão utilizarão das abelhas, como é feito pela Fruticultura UnB/FAV para estudos, e tornar a instituição uma das principais federais que promovem a pesquisa científica das mais de 300 espécies de abelhas nativas existentes no Brasil. 

Vida secreta das abelhas sem ferrão

​Os meliponíneos possuem manejo simples, ausência do ferrão, e produzem mel de diferentes texturas e sabores. “A produção de mel começa com a visita das abelhas nas plantas em busca de néctar, que é processado e se transforma em mel dentro das colmeias. O mel produzido pelas abelhas sem ferrão tem sabor único, mais ácido e menos doce que o das abelhas com ferrão, também conhecidas como europeias. Além disso, possui propriedades medicinais, é rico em antioxidantes e nutrientes”, explicou Cortizo.

Colmeia de abelhas jataí. Crédito: Helena Prestes

Entre as espécies presentes na prefeitura estão: marmelada (Frieseomelitta varia), jataí (Tetragonisca angustula), iraí (Nannotrigona testaceicornis), borá (Tetragona clavipes), jati (Plebeia flavocincta), abelha-das-orquídeas (Euglossa sp.) e mandaguari (Scaptotrigona postica). Diferenças de tamanho, coloração e quantidade as separam e a organização social das pequenas é de impressionar qualquer leigo. Abelhas sem ferrão têm colônias compostas por rainhas, operárias e zangões. A rainha fica recolhida na colmeia após cópula, manda e reina apenas dentro da colônia, zangões são reprodutores e operárias cuidam do resto, coletam pólen, produzem mel e protegem a colmeia.

 Existem diferenças no desenvolvimento entre espécies, algumas operárias são promovidas a princesas, a depender das condições e da alimentação. Quando colmeia está lotada, a alteza é responsável por levar metade do enxame para se realocar. Algumas espécies possuem também sentinelas, funcionárias responsáveis por conferir se quem entra na colmeia faz parte da abelheira, para evitar ameaças à população.

Sentinela de abelha marmelada. Crédito: Helena Prestes

Zangões, responsáveis pela reprodução, morrem após cópula e não entram na colmeia se não forem escolhidos como reprodutores durante voo nupcial da princesa – momento em que machos correm pela posição de reprodutor. Em momentos de crise, são os primeiros a serem expulsos da abelheira pelas sentinelas e passam a viver do lado de fora. Tudo isso é controlado pelos feromônios, substância hormonal secretada que tem como alvo indivíduos da mesma espécie e provoca mudança comportamental. Momentos de perigo, reprodução, espécies e gêneros diferentes são expressos por odores. Sentinelas fazem análise dos animais que entram na abelheira pelo cheiro e colocam para fora invasores a mordidas. Essa é parte da história contada com maestria pelos alunos e pelo professor para qualquer um que faça visita guiada pelos meliponíneos.

Não confunda

Apicultura é criação das colmeias de abelha com ferrão e se diferencia da meliponicultura quanto ao manejo, visto que necessita de trajes de proteção, e aos produtos gerados por essa atividade, como pólen apícola, própolis, geleia real e apitoxina. Apicultura é maioria no Brasil, focada apenas na produção de mel. Essas abelhas se reproduzem mais rápido, são mais violentas e resistentes que abelhas sem ferrão.

As abelhas europeias, do gênero Apis, são estrangeiras no Brasil. Trazidas no século 20 com intuito de aumentar produção de mel e promover pesquisas, foram importadas da Europa e África. Conhecidas pelas listras amarelas e pela defesa aguçada, com poucos estímulos, causam doloridas ferroadas. Além disso, põem em risco existência das outras espécies e, de acordo com alunos da extensão, são invasoras.

Saiba mais

O projeto de extensão está aberto para visitas guiadas. Além disso, oferece, todo mês, cursos focados no ensino da meliponicultura, manejo, criação e também oficinas de resgate de enxames, produção e capturas. Para mais informações, acesse Instagram @melipo_unb.

 

Conheça as espécies presentes na prefeitura

Abelha-das-orquídeas (Euglossa sp.)

De médio a grande porte, mede entre um e três centímetros e apresenta cores metálicas, sobretudo verde e azul, muitas vezes confundidas com moscas varejeiras. Outra característica marcante é a glossa – língua – muito longa que, às vezes, ultrapassa o comprimento do corpo. Se distribui do sul dos Estados Unidos à Argentina com maior diversidade em florestas neotropicais.

Imagem de Aléssio F., Portal de Zoologia

Borá (Tetragona clavipes)

Com coloração marrom-escura, possui asas mais longas que o corpo alongado. É encontrada no Acre, Amazonas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rio de Janeiro e em São Paulo.

Imagem de Abelhas.org 

Iraí (Nannotrigona testaceicornis)

Mede em torno de quatro milímetros de comprimento, é preta, possui pilosidade – pequenos pelos – grisalha e asas esfumaçadas na ponta. Tem população considerada mediana, com colônias de dois mil a três mil. É encontrada em zonas tropicais do norte do Paraná até os Estados Unidos.

Imagem de Abelhas.org 

Jataí (Tetragonisca angustula)

Possui cor amarelo-ouro e tem cestas de pólen pretas. É mansa e, no máximo, dá pequenos beliscões ou gruda cerume – mistura de cera e resinas vegetais também usadas para construção de ninhos e proteção de alimentos – nos intrusos quando se sente ameaçada. É nativa do Brasil, com ampla distribuição geográfica. Pode ser encontrada do Rio Grande do Sul até o México.

Imagem de Getty Images

Jati (Plebeia flavocincta)

Abelha de pequeno porte, mede cerca de cinco milímetros e possui adaptações que permitem habitar áreas climáticas secas. É dócil, simples de manipular e tem coloração mais clara. Ocupa regiões de clima semi-árido, mas também é encontrada em áreas litorâneas.

Imagem de Biodiversity4all

 

Mandaguari (Scaptotrigona postica)

É preta, com abdômen escuro, asas douradas, pequenas listras amarelas no final do abdômen. Defensiva, se enrosca nos cabelos e morde quando se sente ameaçada. Vive, sobretudo, no Brasil, na zona da mata pernambucana.

Imagem de Biodiversity4all 

Helena Prestes, 18
Jornalismo
Pular para o conteúdo