
Não é um conto sobre casas
Rodrigo encarava as ruínas da casa que dividia com a namorada. Não mais namorada, na verdade, porque ela o havia deixado sozinho junto com aquela bagunça de concreto. Olhos marejados, lábios repuxados para baixo, coração pesado no peito. A face do jovem escritor demonstrava a tristeza que sentia. Parecia patético parado em frente à destruição como se os sentimentos dentro do peito pudessem reconstruir toda a estrutura feito mágica. O questionamento pairava sobre a cabeça: de que modo algo que nutriu carinho por tanto tempo poderia ter fim tão trágico?
Na verdade, havia resposta, e parcela da culpa recaía sobre o sujeito que agora lamentava. O local em que residia vinha há certo tempo demonstrando sinais de que não aguentaria mais ficar em pé. Rachaduras apareciam dia a dia nas paredes, infiltrações, sujeira se acumulava nos cantos, Rodrigo fingia não perceber. O afeto o cegava da gravidade dos problemas que apareciam, óbvios para quem olhava de fora. Tinha claro em mente como foi quando mudara para a casa e era esta lembrança que prevalecia. Novidades sempre eram empolgantes e, na época em que a moradia era nova, havia feito o coração bater tão forte quanto bumbo de banda marcial. Não queria que a música que tocava dentro dele fosse substituída por memórias ruins.
Enquanto não conseguia encontrar outra moradia, o jovem escritor abrigou-se na casa dos pais, onde fora recebido calorosamente, mas não o suficiente para esquentar o coração abatido. Mãe e pai estavam preocupados com o filho, que andava tão estranho. Tentaram de tudo para deixá-lo mais empolgado, mas não conseguiam entender o que precisavam fazer de diferente. Pelo jeito, todos os anos que moraram separados haviam mudado o homem.
— Diga o que podemos fazer por você, meu filho — a mãe insistia.
— Nada, mãe, nada — era a resposta de Rodrigo.
O lar por tantos anos no passado não parecia mais digno de receber tal denominação. Depois que conhecera outra casa e vivera momentos diferentes, o local em que passara a infância não trazia as mesmas sensações de antes. Havia amadurecido, criado independência da família. Não tinha o que fazer: Rodrigo queria encontrar casa nova e ponto. Precisava, na verdade. Há quanto tempo não conseguia sentar e escrever dignamente? Parecia que toda a inspiração partira junto da última moradia. Todas as vezes que se sentava em frente ao computador ou caderno para escrever, nenhum dos textos passava das primeiras palavras. A narrativa não fluía, ou simplesmente não parecia certa. O bloqueio criativo era problema: escrever era a profissão dele, o ganha-pão. Havia aquela necessidade de que algo bom e criativo saísse da mente.
Um dia, então, Rodrigo decidiu ir mais fundo na busca pela nova moradia. Encontrou aplicativo para celular que mostrava as melhores casas pelas redondezas. Havia fotos delas e pequenas descrições. Caso a arquitetura e as características do imóvel o agradassem, ele deslizaria o dedo para a direita. Se não, para a esquerda. Simples e fácil. Sequer precisava pensar muito e aquilo o distraía dos pensamentos negativos. A próxima etapa era visitar as casas, circular pelos cômodos e descobrir se sentia alguma conexão.
Pelo Rio de Janeiro, cidade onde Rodrigo morava, encontravam-se infinitas opções prontas para serem exploradas. Sabia que, ou se conectaria à primeira vista, ou demoraria muito tempo para encontrar algo para si, como sempre acontecia. Quando colocou o plano em prática, foi o segundo que ocorreu. Conheceu mulheres, homens e o abrigo que poderiam oferecer a ele. No entanto, cada vez que conhecia algo novo, percebia como era igualzinho ao anterior, de jeito que parecia que todos haviam passado pela mesma linha de montagem na fábrica. No final, comparava tudo com a casa que havia dividido com a ex-namorada.
Meses se sucediam, à medida que saltava de habitação em habitação, de pessoa em pessoa. Cada vez tinha experiências novas, mas todos por quem passava pareciam superficiais na forma de lhe oferecerem uma casa. Nenhum o fazia ter vontade de ficar sentado por horas enquanto toda criatividade fluía diretamente para o papel, a escrever algo no qual ele botava esperanças de ser campeão de vendas, ou talvez se tornar a melhor obra que faria na vida. O coração era morador de rua naquele momento.
Rodrigo estava cansado da busca quando aconteceu. Botou os pés para dentro de uma casa (começou com o pé direito, porque era meio supersticioso) e olhou em volta. Era tão aconchegante. Apenas de entrar, parágrafos de novos livros surgiam na mente, com enxurrada de sensações inexplicáveis que o faziam flutuar. Fazia tempo que não se sentia assim. Foi então que decidiu: era aquela. A arquitetura era incomum, diferente das outras. Em palavras melhores: tinha beleza excêntrica. Era justamente aquele pequeno detalhe que o atraía. Não queria as que pareciam todas iguais para ele. Queria a que o acolhesse, que o fizesse ter vontade de escrever a cada passo que dava, a que nunca faria dias serem entediantes. O coração precisava bater forte, a mente derreter com o carinho. Finalmente sentia tudo aquilo — havia encontrado um lar.
Após tanto tempo, dividir uma casa com alguém que amava assemelhava-se a encontrar um oásis quando se estava com sede no deserto, a superar um bloqueio criativo (literalmente), a colocar um casaco no frio. Amar novamente era alívio. Tudo que Rodrigo procurava era calma na vida e acreditava ter encontrado. Desta vez, mantinha uma promessa na cabeça: zelaria pela moradia como o bem mais precioso que possuía.
Juliane Scheidt de Cristo, 18 Publicidade e Propaganda
